quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Pequenos Holocaustos 4


Tocaram à campainha. Demorou a chegar o tempo da campainha tocar quatro vezes.
Aproximou-se da porta e entreabriu-a, uma mão passou cinco caixas e a outra um saco com três garrafas. O ar fresco entrou. Passou a nota e não recebeu troco. Ouviu uns risinhos e a palavra “foda-se” no corredor enquanto fechava a porta.
A sala não era grande, sentou-se muito devagar na mesa de mármore, era a única peça de mobiliário onde se podia sentar. Os dois lençóis que o vestiam pousaram no chão.
Abriu uma caixa e começou a comer a pizza.
Já não saia de casa há dois anos e pensou que aquelas caixas e aquelas garrafas não teriam o mesmo destino que os outros lixos. Não passaria mais horas a recortar tudo com uma tesoura e a colocar em sacos de plástico. Ocupavam menos espaço no quarto cheio de sacos, cheio de outros lixos.
Abriu uma garrafa e bebeu-a. Um litro e meio. Pousou a caixa de comprimidos ao seu lado na mesa. Da outra vez tinha utilizado apenas uma lamela e dormira dois dias. Tem tudo a ver com a massa corporal.
Agora era uma caixa e não iria falhar. Abriu a segunda caixa e comeu ao mesmo tempo que deixava cair os comprimidos um a um na terceira garrafa.
Sentiu uma cólica mas ignorou-a. Estava perto da casa de banho mas agora já não era necessário. Não se iria levantar para passar uma hora sentado na banheira, a sanita partira-a há um ano. É tudo uma questão de massa corporal.
Comeu as outras pizzas enquanto bebia a segunda garrafa. Os comprimidos desapareceram todos.
Bebeu a terceira garrafa com o sorriso nos lábios. Quando os bombeiros chegassem gostaria de ver como o levariam dali. Eram quase trezentos quilos e pela porta não podia sair. Há quase um ano que era pequena demais.
É tudo uma questão de massa corporal, mesmo para se ter paz.





O que achaste? Deixa o teu comentário!
Se não tens facebook podes comentar aqui: